domingo, 25 de novembro de 2012

Governo Medici e o milagre econômico



No fim de 1969, o alarmante estado de saúde do então presidente Costa e Silva levou os membros do regime militar a declararem a vacância nos cargos de presidente e vice-presidente do Brasil. Entre os membros do oficialato mais cotados para assumir o cargo em aberto, destacava-se o general Albuquerque Lima, uma das mais proeminentes figuras entre os oficiais mais jovens do Exército. No entanto, os grupos mais ligados à chamada “linha dura” acabaram aprovando o nome de Emílio Garrastazu Médici.  No governo Médici, observamos o auge da ação dos instrumentos de repressão e tortura instalados a partir de 1968. Os famosos “porões da ditadura” ganhavam o aval do Estado para promover a tortura e o assassinato no interior de delegacias e presídios. A guerrilha, que usou de violência contra o regime, foi seriamente abalada com o assassinato de Carlos Lamarca e Carlos Marighella. A Guerrilha do Araguaia, findada em 1975, foi uma das poucas atividades de oposição clandestina a resistir.  A repressão aos órgãos de imprensa foi intensa, impossibilitando a denúncia das arbitrariedades que se espalhavam pelo país. Ao mesmo tempo, no governo de Médici observamos o uso massivo dos meios de comunicação para instituir uma visão positiva sobre o Governo Militar. A campanha publicitária oficial espalhava adesivos e cartazes defendendo o ufanismo nacionalista. Palavras de ordem e cooperação como “Brasil, Ame ou deixe-o” integravam o discurso político da época.  A eficiência desta propaganda foi alcançada graças a um conjunto de medidas econômicas instituídas pelo Ministro Delfim Neto. Influenciado por uma perspectiva econômica de natureza produtivista, Delfim Neto incentivou o reaquecimento das atividades econômicas sem o repasse destas riquezas à sociedade. Conforme ele mesmo dizia, era preciso fazer o bolo crescer antes de ser repartido. Em curto prazo, seu plano de ação se traduziu em índices de crescimento superiores a 10% por cento ao ano.  O chamado “milagre econômico” foi marcado pela realização de grandes obras da iniciativa pública. Obras de porte faraônico como a rodovia Transamazônica, a ponte Rio-Niterói e Usina Hidrelétrica de Itaipu passavam a impressão de um país que se modernizava a passos largos. Entretanto, a euforia desenvolvimentista era custeada por meio de enormes quantidades de dinheiro obtidas por meio de empréstimos que alcançaram a cifra dos 10 bilhões de dólares.  A participação do Estado na economia ampliou-se significativamente com a criação de aproximadamente trezentas empresas estatais entre os anos de 1974 e 1979. Diversas agências de ação política organizavam o desenvolvimento dos setores econômico e social. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL) e o Plano de Integração Social (PIS) formavam alguns dos “braços” da ação política dos militares.  A expansão do setor industrial, viabilizada por meio da expansão do crédito, a manutenção dos índices salariais e a repressão política, incitou uma explosão consumista entre os setores médios da população. A obtenção de uma casa própria financiada, a compra de um carro e as compras no shopping começou a formar os principais “sonhos de consumo” da classe média.  Entretanto, “o milagre” esvaiu com a mesma velocidade que empolgou. No ano de 1973, uma crise internacional do petróleo escancarou as fraquezas da nossa economia dando fim a toda empolgação. Na época, o Brasil importava mais da metade dos combustíveis que produzia e, por isso, não resistiu ao impacto causado pela alta nos preços do petróleo. Em pouco tempo, a dívida externa e a onda inflacionária acabou com os sucessos do regime.

A sucessão presidencial


Para suceder Castello Branco, a junta de generais que integravam o Comando Supremo da Revolução, indicou o nome do marechal Costa e Silva para presidente da República. Dentro do Exército, o marechal Costa e Silva era um militar de tendências radicais. Durante o governo de Castello Branco, Costa e Silva pressionou o presidente para que tomasse medidas repressivas mais rígidas contra a oposição e setores sociais que começaram a se reorganizar.  Castello Branco foi categoricamente contra a indicação deCosta e Silvapara sucedê-lo na presidência da República, mas não teve condições de conter os setores radicais dentro das forças armadas. No Congresso Nacional, ocorreu mais uma vez a encenação do referendo, elegendo indiretamente Costa e Silva para o cargo de presidente. 

Diretrizes econômicas

No governo Castello Branco, o ministro do Planejamento, Roberto Campos, adotou uma política econômica antiinflacionária que causou desemprego e provocou arrocho salarial (diminuição dos salários). De 1964 a 1967, centenas de pequenas empresas decretaram falência. A longo prazo, a política econômica da ditadura militar, colocada parcialmente em prática no início do governo Castello Branco, atendeu aos interesses das classes e grupos sociais que integravam a aliança golpista (burguesia industrial, elites rurais).  O governo incentivou os investimentos estrangeiros no país, as exportações e a produção interna de bens duráveis (imóveis, automóveis, eletrodomésticos). O mercado consumidor se ampliou, mas só quem se beneficiou do consumo da produção industrial de bens duráveis foram as classes médias e os mais ricos. A concentração de renda impediu que as classes populares se beneficiassem do desenvolvimento e crescimento econômico. 

O bipartidarismo

A Aliança Nacional Renovadora (ARENA) foi o partido da situação, ou seja, integrou políticos que apoiavam o governo e o regime ditatorial. O Movimento Democrático Brasileiro (MDB) foi o partido que atuou como oposição consentida. A adoção do bipartidarismo foi mais um artifício da ditadura militar brasileira a fim de dotar de feições democráticas o regime autoritário vigente.  Desse modo, existiu oposição, mas ela atuou dentro dos estritos limites impostos pelo governo dos generais. Ou seja, o tipo de oposição que era praticado pelo MDB não ameaçou o poder dos militares e nem mesmo a manutenção da ditadura.  Castello Branco também promulgou o AI-4, obrigando o Congresso a discutir e aprovar uma nova Constituição com características autoritárias. No último ano de seu mandato, em 1967, o presidente também promulgou uma nova Lei de Segurança Nacional (LSN). Com o pretexto de defesa da segurança nacional, essa Lei se transformou num poderoso instrumento de controle e vigilância política sobre todos os setores da sociedade civil. Severas punições foram estabelecidas aos transgressores da LSN. 

Medidas repressivas

É recorrente nos estudos sobre o período inicial da ditadura militar, a interpretação das ações governamentais no campo da política institucional como reações diante da reorganização das oposições políticas. Assim, a vitória de políticos da oposição nas eleições para governador (nos estados de Minas Gerais e Guanabara), em 1965, é apontada como o principal motivo da adoção de novas medidas repressivas por parte do governo.  Em outubro de 1965, Castello Branco assinou o Ato Institucional nº 2 (AI-2), que ampliou significativamente o poder do Executivo Federal, estabeleceu eleições indiretas para presidente da República e extinguiu todos os partidos políticos. Com essas medidas, tem início o estabelecimento do bipartidarismo, com a criação de duas agremiações políticas: ARENA e MDB. A seguir, com o AI-3, estabeleceu-se a eleição indireta, executada por colégios eleitorais, para os cargos de governador e vice-governador. 

Operação limpeza

Indicado como presidente da República pela junta militar golpista, o marechal Humberto Castello Branco era considerado um militar de tendência moderada. Em seu governo, porém, Castello Branco foi pressionado por militares direitistas radicais para realizar uma série de Inquéritos Policiais Militares (IPMs).  Os IPMs tiveram por objetivo punir todos os cidadãos que tivessem vínculos políticos com o governo deposto de Jango ou que passaram a fazer parte dos movimentos de oposição ao novo regime. Asgrevesforam proibidas e houve intervenção governamental em praticamente todos os sindicatos trabalhistas.  Importantes organizações, como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e inúmeras outras entidades da sociedade civil, também sofreram intervenção ou foram completamente desarticuladas. Milhares de funcionários públicos, ligados à burocracia militar e civil foram aposentados. Na área política, houve centenas de cassações de mandatos de parlamentares e suspensão dos direitos políticos. 

Os Atos Institucionais

Nos primeiros anos após o golpe, que coincide com o mandato presidencial do marechal Humberto Castello Branco(1964-1967), nem as oposições democráticas e nem mesmo os grupos políticos e segmentos sociais que integravam a aliança golpista que depôsJango (inclusive os próprios militares), tinham absoluta clareza dos rumos a serem imprimidos à política nacional.  A expectativa geral era de que a intervenção militar na política fosse breve e que, em pouco tempo, o regime democrático seria restabelecido. Mas isso não ocorreu. Os militares se sucederam no governo e consolidaram sua posição no poder através de atos institucionais, que foram leis discricionárias promulgadas para sustentar todas as mudanças e medidas políticas colocadas em prática durante o período.  

Em comparação com outras ditaduras militares que se estabeleceram em toda a América Latina, nas décadas de 1960 e 1970, a ditadura militar brasileira procurou legitimar-se politicamente por meio de atitudes pseudodemocráticas. O fato de oCongresso Nacional manter-se aberto e em funcionamento fez parte da estratégia dos militares de permanecerem no poder e mascarar a feição autoritária do regime.  Depois de terem expurgado do Legislativo todos os políticos vinculados ao governo de Jango, os militares fizeram algumas articulações políticas que possibilitaram que o Congresso Nacional referendasse o nome do marechal Humberto Castello Branco como presidente da República, em 11 de abril de 1964.